SAUDADES DA MINHA INFÂNCIA!
E hoje cedinho, me peguei viajando nas lembranças de um tempo gostoso. Tudo isso por causa de um cheiro... Bateu-me, então, uma saudade danada da minha infância, daquele tempo de pura inocência e de grandes fantasias. Vi-me sonhando acordada, com aquele sorriso melancólico, relembrando minha casa, meus pais, meus irmãos, meus amigos e minha cidadezinha perdida no tempo: Palmácia!
É... vez por outra um vizinho meu, que ainda não descobri quem, usa querosene de manhã bem cedinho, talvez para fazer um café, sei lá! Maneira arcaica, ainda mais numa cidade grande, não é?! Talvez acendendo um fogareiro, sei não! Mas o certo é que o cheiro chega à minha casa e me transporta à infância, me levando a recordar um tempo gostoso e me fazendo lembrar o papai preparando nosso primeiro café do dia no velho fogão à lenha... Lembro que eu acordava com o cheiro do gás queimando os gravetos e pulava da cama a tempo de ver a velha chaleira, preta de tão usada, no meio das labaredas. Em seguida via o papai lavando o “pano de coar café” na janelinha que dava para o nosso quintal. Esse era o meu relógio matinal. Com o cheiro do gás, eu pulava da cama e ia me preparar para ir à escola. Somente em dois dias da semana eu me levantava antes do cheio. Era nos dias das aulas de Educação Física com a professora Ziza Vieira, no Ginásio Monsenhor Custódio. Nesses dias, quando vovó Senhora sentava na cama e rebuscava, ao seu lado, na velha bolsa “tinha tudo”, seu radinho de pilha para assistir os primeiros noticiários do dia, eu me levantava da cama, que ficava no mesmo quarto e ia para a cozinha e via o papai limpando o fogão, ou seja, retirando as cinzas e cortando gravetos de lenha para em seguida arrumá-los em forma de pirâmide na primeira boca do nosso velho companheiro que bufava fumaça o dia todo, em cima de grossos paus de lenha e atear-lhe fogo! Ah, tempo bom! Ah, cheiro gostoso! E antes de sair para a aula, tomava meu café com leite e pão e ainda assistia o fantástico desempenho do papai a levar, de bandeja, o café da mamãe na cama: um amor além do tempo, fato que não se vê nos dias de hoje!!! E lá ia eu para mais um dia de aula, junto aos manos, toda faceira com os meus sapatos “fanabô” e um sorriso de felicidade... Eu era muito feliz, mas não tinha maturidade para perceber o tamanho dessa felicidade!
Saudades daqueles tempos de brincadeiras na praça, das cantigas de roda, dos guisados... De correr e cair, dos joelhos ralados... Saudades da brincadeira “Boca de Forno”, quando “roubávamos” alimentos nas “bodegas” para o guisado do dia seguinte! Nessa brincadeira tinha uma mãe com uma “reca” de filhos. A mãe perguntava e os filhos respondiam. A mãe ordenava e os filhos obedeciam.
Mãe: “Boca de forno?”
Filhos: “Forno!”
Mãe: “Tirar no bolo?”
Filhos: “Bolo!”
Mãe: “Jacarandá?”
Filhos: “Dar!”
Mãe: “Quando eu mandar?”
Filhos: “Ir!”
Mãe: “E se não for?”
Filhos: “Apanha!”
Mãe: "Remã, remã, quem for lá na bodega do Nilson Hermínio e trazer uma mão 'cheiada' de arroz!”
E todos iam para não apanhar! Iam e traziam o que a “mãe” tinha ordenado!
Antes da brincadeira a gente já preparava as vasilhas para os alimentos. Era arroz da bodega do Nilson Hermínio, farinha da bodega do João Lázaro... (risos). No dia seguinte a mamãe completava os ingredientes do guisado com alguns pedaços de galinha. Mal sabia ela aonde tínhamos adquiridos os outros ingredientes! (risos). E fazíamos aquele guisado! A festa era grande no quintal! Às vezes comíamos comida salgada ou mesmo insossa e, muitas vezes, vermelha de tanto colorau! A galinha, geralmente a comíamos meio crua, pois era “pé duro” (naquele tempo ainda não tinham “inventado” essas “galinhas de granja”) e a gente não tinha a bendita paciência de esperar cozinhar totalmente. E isso nunca nos fez nenhum mal. Lembro-me que uma vez o tempero foi a relva verdejante, com o guisado lá no Sítio “Cabocos”, colocada na panela pela prima Joana D’Arc, a Jane, para substituir o cheiro verde... Lembra disso, Iasmine Andrade? Jane, que Deus a tenha em bom lugar!
Como me lembro do Sítio “Cabocos”! Como o cheiro de terra molhada me faz lembrar aquelas cenas em que nós corríamos, eu e meus irmãos, entre as bananeiras e o canavial, a caminho da barragem, para o banho! Fecho meus olhos, aguço meus sentidos e de novo sinto o cheio de mato molhado do sítio fértil! Recordo papai a fazer cavaletes de bananeiras para nos auxiliar no nado. E como ficávamos felizes com aquilo! Passávamos a manhã toda no banho de barragem, no nado sincronizado, seguindo as músicas dos pássaros que trinavam à nossa volta! E nossa merenda era a mais sadia e pura de todas: água de coco, cana, jaca, manga, seriguela, tangerina... E como papai tinha prazer nisso! E como ele era forte e viril! Lembro-me dele com uma foice na mão! Ah, meu velho! Num abrir e fechar de olhos ele subia aquela serra da Torre da Lua e voltava com um “surrão” de bananas nas costas e uma folha no canto da boca, típico dele! Que saudades de você, meu velho! Fecho meus olhos e lhe vislumbro de chapéu de palha, roupa enodoada, chinela “japonesa”, mas feliz por ter um grande tesouro: seus filhos!
Quanta saudade da felicidade simples dos meus anos dourados! Saudades de ouvir as novelas! Sim, isso mesmo, “ouvir as novelas” pelo rádio. Quem é do meu tempo deve lembrar da novela do meio-dia: Redenção! E também da fantástica novela O Direito de Nascer, com o Albertinho Limonta, Isabel Cristina e Mamãe Dolores. Essas novelas eu assistia no quintal da casa do tio Luiz Rebouças, com minhas amigas Eliane, Eluzane, Eliete e Elineida, debaixo dos pés de seriguelas, no velho rádio de pilhas. Quando as pilhas ficavam fracas a gente fazia uma “vaquinha” para comprar pilhas novas... E a gente entendia todas as novelas. Era como se estivéssemos vendo!
Depois, muito tempo depois, chegou a TV em nossa cidadezinha. Quem a primeiro possuiu foi o padre Franciné, pároco da cidade, quando passamos a nos deliciar com os filmes mudos na TV do padre, no salão paroquial, pagando uma pequenina taxa para ajudar na igreja. Ah, doces lembranças! Charles Chaplin e o Gordo e o Magro eram os meus filmes preferidos. E aos poucos esse maravilhoso aparelho foi se introduzindo em nossa cidadezinha, mas não tão de repente, pois lembro que na Copa de 70 poucas pessoas a possuíam. Lembro que em um dos jogos do Brasil ficamos a correr de casa em casa para assisti-lo porque as televisões tremiam. E, em cada casa que possuía um aparelho, era muita gente para uma TV só! Hoje, apesar de Palmácia ter progredido pouquíssimo ou quase nada, já vislumbramos tetos apinhados com grandes antenas parabólicas, até mesmo em simples casinhas de taipa, humildes, sinalizando que, felizmente, a diferença social diminuiu, assim como as distâncias, aumentando o lazer, principalmente de muitos ruralistas.
Como me lembro das brincadeiras com meus irmãos e das broncas que levávamos da mamãe!
Como me lembro do terço que sempre rezávamos à noitinha, ajoelhados, de frente para um quadro de Jesus e Maria que ainda hoje existe lá em casa, na sala! Só que nossa fé era pouquíssima e ficávamos o tempo todo a cochichar e a rir baixinho, na “obrigação” do terço! E mamãe, severa, ralhava com a gente, dando-nos cutucões e mandava que saíssemos, um por um, do ambiente...
Ah, se aqui eu fosse falar de tudo que desfrutei com meus irmãos seria um texto infinito, seria querer abraçar o mundo... Do nosso velho velocípede, quantas brigas para usá-lo! Ai meu DEUS, que saudades!
Por enquanto, paro por aqui, pois já escrevi demais, porém nas próximas postagens continuarei relembrando tudo, até me sentir satisfeita!
Abraços!
Iolanda
Mana Iolanda,és verdadeiramente uma grande saudosista fazendo com que os leitores,como eu,conhecedores dessa velha história expressem grandes emoções,não deixando de derramar aquelas "famosas lágrimas". Por: Elizabeth Campelo
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